
Como a decisão do STF afetou os requisitos de desapropriação de áreas que não cumprem sua função social?
Comentários exaltados dominaram os grupos de agronegócios após notícias de que o Supremo Tribunal Federal havia autorizado a desapropriação de áreas rurais produtivas.
Tudo começou nesta 2ª feira com o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-3865) proposta em 2007 pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA.
Por unanimidade, o STF julgou improcedente a ADI nos termos do voto do Ministro Relator Edson Fachin; que assumiu o processo em 2015.
Esta ação do CNA questionava os artigos 6º e 9º da Lei 8.629/93, alegando que estes estariam contra os artigos 184, 185 e 186 da Constituição Federal porque causavam confusão, na definição disposta no §1º do citado artigo 9º, entre os conceitos de grau de utilização da terra (GUT) e de eficiência em sua exploração (GEE).
Vale esclarecer desde já que os artigos questionados em ADI apenas repetem os dizeres dos incisos do artigo 186 Constituição, acrescentando justamente os entendimentos que deveriam ser adotados diante da forma genérica com os quais estes incisos estão dispostos na Constituição.
As notícias circuladas e seus comentários foram que o STF teria validado trechos da Lei da Reforma Agrária, permitindo assim a desapropriação de áreas produtivas e sacramentando o fim da propriedade privada no Brasil; porém, respeitosamente, este não é o meu entendimento.
Após ler a notícia, os comentários, a Constituição Federal, a Lei da Reforma Agrária e a ADI, concordo com a decisão do STF.
Primeiro, sempre tenho cautela ao afirmar que esta ou aquela decisão se deu em razão de contexto político ou de governo. Conforme já exposto, a ADI foi proposta em 02/03/2007 e a Lei da Reforma Agrária foi assinada pelo ex-presidente Itamar Franco, publicada no Diário Oficial em 26/02/1993; muito longe do momento atual.
Na ADI, a Advocacia Geral da União – AGU, em 2006, e a Procuradoria Geral da República – PGR, em 2007, emitiram pareceres concluindo que a ADI sequer deveria ser conhecida e no mérito não merecia prosperar.
Todos esses órgãos foram contra dada a possibilidade de exigência simultânea do GUT e GEE, além de, conforme expôs a AGU, o artigo 185, inciso II, da Constituição “não poder ser interpretado isoladamente, sob pena de afastar a necessária interpretação sistemática da Constituição e sob o risco de olvidar do caráter institucional do conceito de propriedade”.
A PGR utilizou o mesmo caso hipotético da CNA na ADI, mas invertendo os critérios, que reproduzimos: “Imaginemos, por exemplo, uma propriedade com 100 módulos fiscais, e que utilize apenas 1 módulo para produzir determinado produto agrícola. Caso fosse adotado o critério de produtividade proposto pela Requerente, bastaria que fosse alcançado o índice do GEE nesse único módulo para que a totalidade da propriedade fosse considerada produtiva e, em consequência, imune à desapropriação (…) Com a máxima vênia, o absurdo de tal resultado parece mostrar claramente o absurdo da interpretação proposta pela Requerente”.
Em resumo, o que ficou definido pelo STF foi que os artigos 6º e 9º da lei 8.629/93 são constitucionais.
Isto significa dizer que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente: (i) aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho, e; (iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O que as notícias encaminhadas aos grupos não explicam é que o artigo 2º da lei 8.629/93 prevê expressamente é que esta propriedade rural é passível de desapropriação, desde que respeitados os dispositivos constitucionais, e consequentemente não consideram o disposto no inciso II do artigo 185 da Constituição Federal, que dispõe que “são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a propriedade produtiva”, sem qualquer ressalva.
Assim, a decisão do STF não mudou em nada a interpretação da lei que existe desde 1993 porque a ADI foi improcedente; portanto, áreas rurais que não cumprirem sua função social poderão ser desapropriadas, sempre puderam e continuarão a ser, “respeitados os dispositivos constitucionais”.
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