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Qual é o tempo da preferência do arrendatário sobre a área rural após a retomada pelo proprietário para uso próprio?

Uma situação me pegou de surpresa dias atrás.

Conversando com um produtor rural que estava insatisfeito com os recebimentos provenientes do arrendamento de cana em sua propriedade, ele logo me disse que precisava “notificar o arrendatário até seis meses antes do fim do contrato para evitar a prorrogação”.

Ele estava correto, não porque conhecia o texto legal disposto no inciso V do artigo 95 da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra) ou do que dispõe os incisos I e II do artigo 26 do decreto que regulamenta o Estatuto, mas porque todos que possuem certa experiência e que dominam a prática do arrendamento na atividade rural conhecem essa sagrada regra; quase uma espécie de “lenda urbana” contratual que todos, no mínimo, já ouviram falar.

Depois, me perguntou “por quanto tempo devo respeitar o direito de preferência do arrendatário após retomar a minha área?”.

Eu buscava a resposta enquanto explicava a definição de exploração direta, que é “aquela em que o beneficiário da exploração assume riscos do empreendimento, custeando despesas necessárias”, definição dada pelo artigo 7º do decreto regulamentador, sobre a importância do pedido sincero de retomada e da necessidade de expor na notificação a motivação, para cumprimento de exigência legal, com passagem acadêmica sobre a definição de abuso de direito, boa-fé contratual e sobre as expectativas negativas e positivas de comportamento das partes.

Durante a busca pela resposta, a excelente pergunta provocava meus pensamentos: “Afinal, quanto tempo? E se ele não explorar a área? Por quanto tempo deverá haver essa exploração direta para extinguir a preferência do outro? Três ou seis meses? Um ou três anos? Uma safra? Depende do que é a cultura?”.

Dentre tantas certezas na vida, uma delas é que a resposta não está expressa no Estatuto da Terra ou no seu Decreto.

Assim, como uma das formas para o atingimento de uma solução jurídica é a comparação, a analogia e a aplicação dos princípios gerais de direito, a resposta deveria estar em outro lugar, sob alguma forma.

Diante de tudo o que fora exposto antes (exploração direta, pedido sincero, motivação, etc.), certo que o proprietário rural não poderia retomar a área e nada fazer, nada cultivar. Tampouco poderia plantar uma bananeira ou um simples pé de alface no meio da área retomada e alegar que atingiu sua finalidade, que o explorou diretamente.

Ainda não poderia simular a exploração própria promovendo o arrendamento a terceiros, sob pena de ofender o direito de preferência do arrendatário anterior que não teve a oportunidade de se manifestar sobre as mesmas condições da proposta.

Também não deveria propositalmente ter insucesso ou desenvolver uma cultura de ciclo curto, trimestral, e já considerar o exaurimento da exigida “exploração própria”.

Nota-se que, embora não previsto o período de vigência do direito de preferência do arrendatário no Estatuto da Terra, qualquer comportamento do proprietário rural que indique que sua ética é flexível, há conflito com alguma outra regra geral principiológica de conduta ou expectativa de comportamento e boa-fé.

Poderia então o proprietário impor na área a mesma cultura do arrendatário anterior? Entende-se que sim, porque a lei não veda ou especifica culturas, mas recomenda-se evitar a mesma cultura, se possível, para que seu comportamento não seja eventualmente levado para análise do judiciário.

Enfim, a recomendação foi para que o proprietário rural cultivasse algo na sua área de forma direta, ou por seus sucessores, como exige a lei, pelo mesmo tempo, no mínimo, da safra da cultura que o arrendatário anterior possuía, no caso da cana, doze meses ou mais, como analogia, respeito ao bom senso e aos princípios de direito.

Por último, o produtor rural me perguntou “se após o fim do contrato ainda tiver alguma cultura não colhida na área, posso passar o trator?”

Respondi que, em festas, os amigos sempre podem fazer uma pergunta grátis, mas que ele já a tinha feito. Ele agradeceu e fomos recarregar as taças.

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